Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2013

A MINHA VIDA DE GE ( Parte 13) - A Vida no Inferno

 

 

Estamos em 6 de Janeiro de 1974. Aproximava-se uma coluna militar e civil com carga crítica para a Barragem de Cahora Bassa e havia necessidade de fazer a limpeza, em termos de possíveis ataques à coluna que, entre outro material, transportava as turbinas para a Barragem e um qualquer róket que as atingisse poderia provocar danos consideráveis e atrasar em alguns meses a sua instalação.

Saí da base, no Fúdze, cerca das cinco horas da manhã, para fazer o patrulhamento até Nhampassa, local onde passaria o testemunho aos militares vindos Guro. Levei  todo o Grupo Especial e partimos em direcção a Norte, batendo todos os pontos favoráveis à montagem de emboscadas. Tudo corria normalmente sem vestígios de presença do inimigo.

Cerca das 10 horas, deparei-me com uma clareira, antes de uma curva da estrada e verifico que, após um baixo arvoredo, havia uma encosta de penhascos, não muito alta, mas que, depois de uma minuciosa análise, concluí que seria um local óptimo para uma emboscada. Continuei pela estrada até ao fim da clareira e mandei parar o Grupo que avançava pelos dois lados da estrada. Dei instruções ao Vasco, que era o militar mais preparado e com um grande sentido de liderança, e mandei avançar o Grupo, mas mais devagar e com atenção redobrada.

Fiquei para trás com mais três militares e embrenhei-me mais um pouco na floresta até ficar com a cabeça do desfiladeiro à vista. O Grupo foi avançando e reparo que lá no alto me aparece um corpo, que, de imediato, se escondeu. Era ali que estava preparava a emboscada que tanto temíamos. O Grupo continuava a avançar e preparei-me para disparar, com a G3 apoiada num ramo de uma árvore e logo que o Grupo entra na zona de morte da emboscada, vejo, de novo o corpo erguer-se. Foi só um disparo e  vejo a cabeça a desfazer-se com o impacto da bala. De imediato, comecei a subir a pequena encosta com os três militares que tinham fica comigo e, quando chego ao cimo, já não vejo mais ninguém, apenas um corpo com a nuca quase desfeita. Nunca imaginei o que iria encontrar. Era o corpo de um norte-coreano, dos diversos atiradores especiais que apoiavam a Frelimo, mas a arma dele que deveria ser uma Simonov, já lá não estava, apenas se via a poça de sangue por baixo da cabeça. Pelo que vi em redor, o número de guerrilheiros deveria ser grande. Informei, via rádio, o Comandante de Operações de Vila Gouveia e, passado pouco tempo, já três helicópteros sobrevoavam a zona com as metralhadoras bem à vista. Senti-me mais seguro, porque os hélis faziam um vai vem constante por cima, até chegar a Nhampassa, onde eles aterraram e onde já estavam os militares vindos do Guro.

Foi o único morto que fiz em toda a guerra e do qual nunca me arrependi, porque era um elemento dos novos colonizadores de Moçambique, o Imperialismo Comunista Internacional.

 

Ovar, 7 de Fevereiro de 2013

 

Álvaro Teixeira (GE)


Publicado por gruposespeciais às 20:48
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Quarta-feira, 12 de Dezembro de 2012

NÃO PODEMOS VER O VENTO (cap. 06) - Fim

 

 

 

Mariana recorda o blogue, recorda as fotos do jovem militar, recorda os relatos pormenorizados das missões, recorda a linguagem e a simbologia, e tenta entender.

 

Álvaro, escreve ela. A mim parece-me evidente que o Álvaro tem um grande orgulho em ter sido GE. Quer falar-me nisso?

 

Era o que a psicóloga menos esperava, mas Álvaro demorou quinze dias a responder-lhe. Mariana chegou a telefonar--lhe, a perguntar se estava tudo bem, e ele foi, como sempre, extremamente simpático — mas insistiu que a questão do orgulho era muito delicada, e que precisava de tempo para pensar. Quando, finalmente, deu sinais de vida, não podia ter sido mais lacónico.

Quanto à questão que me colocou sobre o meu orgulho em ter servido o nosso Exército, tenho a dizer que não sinto orgulho nenhum nisso, a não ser no facto de ter recebido 63 negros, em que a maioria não falava português, falavam o seu dialeto ou o inglês, e conseguir, em cinco meses, que falassem o português: esse feito, para mim, constituiu um grande motivo de orgulho. Sabe, no meu Grupo havia cerca de meia dúzia de instruendos que tinham estado em missões católicas e que falavam bem a língua portuguesa; e foi através deles que consegui fazer-me compreender. No fim da instrução tinha toda a gente a entender o português, e a maioria a falá-lo fluentemente.

 

 

 


Publicado por gruposespeciais às 14:13
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Domingo, 9 de Dezembro de 2012

NÃO PODEMOS VER O VENTO (cap. 06) - Parte 2

 

 

Volta a teclar. 

Muito obrigado por tudo, Álvaro. Agora, veja lá se pode ajudar-me noutra coisa: há imensa gente que nunca ouviu falar nos GEs. Há homens da sua idade que estiveram na tropa em Moçambique e não sabem, mesmo, o que foram os GEs. Já ouvi várias versões diferentes sobre as razões de ser deste secretismo. Qual é a sua? Bem, responde daí a pouco o GE bloguista. Vamos lá ver. Se calhar, a minha versão vai desiludi-la; mas eu, de facto, não tenho assim uma visão muito emocionante da guerra. Os GEs eram pequenas forças de intervenção constituídas por militares nativos oriundos das zonas onde, após a instrução, iriam atuar. Só começaram a existir em 1970 e eram muito reduzidos, daí o facto de muita gente desconhecer a sua existência. Para dar um exemplo, na província do Niassa, que é a maior de Moçambique, penso que não existiam mais de três Grupos Especiais; o que, para a quantidade de aquartelamentos existentes na província, era uma gota de água. Daí a razão de muita gente, se calhar a maioria dos portugueses, nunca ter ouvido falar dos GEs. Álvaro, insiste Mariana, sempre à procura da brecha. Sabe o que é que me faz impressão? As vezes, raramente, encontro pessoas que ouviram falar dos GEs.

 


Publicado por gruposespeciais às 19:01
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Quinta-feira, 6 de Dezembro de 2012

NÃO PODEMOS VER O VENTO (cap. 06) - Parte 1

 

 

DENTRO DA MINHA CIDADE

 

 

Mariana já tinha feito cópias de posts inteiros para o seu trabalho. Mas só chegou à fala com Álvaro Teixeira de Oliveira, o GE de Ovar autor do blogue mais completo sobre a matéria que ela conseguiu encontrar na internet, quando veio à baila a questão dos massacres de Wiriamu. Álvaro dizia que, a certa altura, os membros dos Grupos Especiais tinham começado a ser vistos como criminosos por causa de Wiriamu. Os seguidores do blogue assanharam-se todos e o debate foi renhido. Saíram logo vários ex-GEs a terreiro para recordar que os factos e os documentos vieram a provar ter sido aquele pesadelo ação dos comandos. Alguns ex-comandos ripostaram. Mariana leu tudo com imensa atenção, ciente de estar perante a ressonância persistente de uma corda sensível longínqua. Dizem algumas fontes que, em Wiriamu, um soldado português parou à frente de uma mulher nativa grávida e lhe perguntou qual era o sexo da criança que aí vinha. Ela respondeu que não sabia. Ele esfaqueou-lhe a barriga, puxou cá para fora o feto já grande que se contorcia, levantou-o à altura dos olhos dela e cuspiu "agora já sabes". Atrocidades da guerra. A sociedade civil não dorme bem em cima disto. É mais fácil culpar uns grupelhos quase desconhecidos e violentos por natureza do que chamar à pedra uma grande e exemplar instituição como os comandos.


Publicado por gruposespeciais às 17:55
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Terça-feira, 14 de Julho de 2009

A MINHA VIDA DE GE – Parte 3

 

(...Continuação)

 

Depois de me ter instalado na Beira, apresentei-me, no dia seguinte, no Centro de Instrução de Grupos Especiais – CIGE, no Dondo, uma pequena vila, situada a cerca de 30 Kms. da Beira, servida pela estrada Beira - Vila Pery (Chimoio), que apesar de pequena, tinha vida própria.
Monumento à entrada da Vila do Dondo
Aqui começou a minha integração nos GE’s. Um mundo diferente, novas mentalidades, novas formas de encarar a Guerra, enfim, um mundo à parte. Por todo o lado havia boinas amarelas e farda preta (uniforme dos GE’s) ou boinas roxas e camuflados (uniforme dos GEP’s), cuja existência eu desconhecia. O frenesim era enorme e aumentou com a chegada dos graduados destacados para a “Operação Furacão”, provenientes dos diversos distritos e aquartelamentos de Moçambique e muitos militares de alta-patente que iriam coordenar toda a operação.
Estabelecem-se as primeiras amizades e iniciam-se as conversas sobre o passado de cada um. Havia histórias para todos os gostos, desde as emboscadas em que caíram, às minas que rebentavam na passagem das colunas, aos ataques aos aquartelamentos, assaltos a bases da Frelimo, etc. Ouvi de tudo e dei graças por ter estado cerca de 6 meses em Olivença e nada dessas coisas eu tivesse que enfrentar. Foi no Dondo que eu comecei a despertar para outra realidade, bem mais cruel do que o isolamento de Olivença. Comecei a ouvir falar de mortos, de feridos e do horror da guerra e comecei a compreender o comportamento estranho de alguns militares. Apercebi-me, então, de que, após a formação do GE, iria ser confrontado com uma realidade que me parecia virtual. Ia mesmo para a guerra, ia passar pelas mesmas situações, mas com uma grande diferença, é que os militares que iríamos formar, durante 6 meses, eram nativos das zonas onde o GE iria actuar no teatro de operações. Este tempo de instrução era crucial e todos tínhamos a consciência disso, pelo que todos nos empenhamos em dar o melhor que sabíamos para tornar os GE’s nas autênticas “Máquinas de Guerra” , conforme foram apodados, e que a Frelimo tanto temia.
 
 Dondo - Rua da Vila Lusalite
Na minha opinião, é pena que, com base na imensa documentação cinematográfica, em posse das nossas Forças Armadas, não tivesse aparecido um Oliver Stone português, para retratar esta realidade, muito parecida com a que se vê nos filmes sobre a guerra do Vietname. Estou a escrever e, ao mesmo tempo, a reviver todo aquele aparato militar na pequena vila do Dondo, que incluiu a construção de um novo CIGE, propositadamente, para esta operação militar que envolveu cerca de 4.000 militares.
 
Ovar, 14 de Julho de 2009
Álvaro Teixeira (GE)
 
 
 Hermínio da Palma Inácio
Este “post” é um pouco mais curto, porque acabei de receber a notícia da morte de um grande amigo, Hermínio da Palma Inácio. Conheci-o, em Lisboa, em finais de Maio de 1974, no Café Nicola, no Rossio, quando estava acompanhado de um, também, grande amigo já falecido, Fernando Oneto. Conversávamos muito, quando tudo era uma grande confusão. Ele próprio me confidenciou, muitas vezes, que o receio que tinha era de que Portugal se tivesse libertado de uma ditadura, para cair noutra, tais eram as indefinições da Junta de Salvação Nacional e da influência dos grupos radicais. Palma Inácio era um democrata e, sempre, defendeu os grandes valores da Liberdade, da Justiça Social e da Fraternidade.
Aqui fica a minha singela, mas sentida, homenagem a um grande lutador. Descanse em paz.
O meu muito obrigado, meu Grande Amigo.
Para saber mais sobre a vida de Hermínio da Palma Inácio, clique no seguinte endereço:
http://www.barlavento.online.pt/index.php/noticia?id=14359

Publicado por gruposespeciais às 23:12
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