Quarta-feira, 17 de Março de 2010

A MINHA VIDA DE GE (Parte 12) - A vida no Inferno

 

(…/)
No regresso ao acampamento, procurei, sempre, avançar por itinerários que me pareciam os mais seguros.
Passada cerca de uma hora, mandei parar todo o Grupo, a fim de meditar sobre tudo o que tinha ocorrido naquela manhã terrível, inteirar-me da situação moral do GE e verificar a quantidade de munições que ainda nos restavam. Sentei-me, por uns momentos, a consultar a carta geográfica, porque tina a certeza que a retirada não iria ser fácil. Passados alguns momentos, chamei cada um dos militares, a fim de verificar a quantidade de munições que possuíam. O resultado foi desastroso, não consegui encontrar um elemento que tivesse mais do que uma cartucheira carregada, munições de morteiro esgotadas e a única granada defensiva que possuíamos era a que estava em meu poder. Procurei, com as balas que ainda sobravam em algumas cartucheiras carregar um ou outro “pente” das metralhadoras HK21.
O tempo que calculei para chegar ao acampamento seria cerca de um dia e meio e continuávamos numa zona infestada de tropas inimigas, pelo que todos os cuidados eram poucos. Dei ordens para não responder a qualquer flagelação, a fim de guardar as munições para qualquer emboscada que pudesse surgir. Reiniciamos o regresso e, tal como eu previa, fomos acompanhados de uma ou outra flagelação até ao escurecer do dia.
Escolhi um local para passar a noite, o mais seguro possível, mas com a certeza de que poderia haver um ataque de um momento para o outro. Aí passamos a noite, sem que nada acontecesse, mas, ao amanhecer, fomos acordados com novas flagelações, mas nada de preocupante. As flagelações acalmaram e, depois de tudo preparado, reiniciámos o regresso, sempre com a indicação expressa de não se gastarem munições, porque as poucas que tínhamos, poderiam ser vitais para qualquer eventualidade, uma vez que, de acordo com os meus cálculos, só iríamos chegar ao acampamento ao fim da tarde.
Começamos a avançar no terreno, sempre com a preocupação de percorrer um trajecto que não permitisse emboscadas. O calor começava a apertar e era, cada vez mais difícil, avançar no terreno. Lembro que estávamos a percorrer a Serra Choa e que a cada quilómetro que avançássemos, eram novas situações com que nos deparávamos. A vegetação era luxuriante, mas escondia perigos em qualquer altura. Cerca das onze horas da manhã, sofremos uma emboscada bem preparada pelo inimigo. Foi numa zona em que experimentei mais uma situação desconhecida para mim. Não houve qualquer baixa, mas foi numa zona onde havia algo de que eu ouvia falar, mas que desconhecia, era zona de feijão-macaco. São indescritíveis as consequências que o contacto com essa planta provocam. Uma comichão terrível que comecei a sentir e que aumentava à medida que cada vez mais coçava. Passei álcool pelos braços, mas a comichão aumentava cada vez mais, pelo que o caminho até ao acampamento foi de um sofrimento enorme.
Ao fim da tarde, tal como o previsto, chegamos ao acampamento e única satisfação que nos restava era a de que, depois de enfrentadas todas aquelas situações, termos chegados todos sãos e salvos.
 
Ovar, 17 de Março de 2010  
  Álvaro Teixeira (GE)

 


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Sexta-feira, 4 de Setembro de 2009

MINHA VIDA DE GE – Parte 5

 

 

 

(… Continuação)
Começamos a instrução dos militares, praticamente, a partir do zero o que, de certo modo, facilitou o nosso trabalho, pelo menos na parte que me disse respeito. Os novos recrutas vinham de aldeias distantes, dispersas pela Serra Choa, onde, poucos meses antes, a Frelimo tinha aberto um corredor de infiltração em direcção a Manica com todo o cortejo de desgraças que isso provocou nas populações que não aderiram ao Movimento de Libertação, obrigando-as a refugiarem-se em povoações mais próximas da estrada que liga o Vandúzi a Tete e que seriam alojadas nos aldeamentos de Nhassacara, Fúdze, Nhampassa e outros que foram sendo construídos ao longo da referida estrutura rodoviária e por onde passava todo o material necessário à construção da Barragem de Cahora Bassa com a consequente segurança, não só do ponto de vista psicológico, como militar, que todo este movimento dava às referidas populações.
O cortejo de desgraças a que acima me refiro e que irei descrever em artigos seguintes, além de me terem sido relatados pela próprias populações, verifiquei-os no próprio terreno e foram-me confirmados, há bem pouco tempo, pelo ex-Comandante da Frelimo, cujo nome, para já, não estou autorizado a divulgar e que foi o responsável pela instalação da Frelimo ao longo de toda a zona a sul de Tete, incluindo a Serra Choa. Os Moçambicanos desse tempo conhecem-no muito bem e os altos responsáveis da Frelimo sabem de quem estou a falar, porque lhe coube a glória de ser o primeiro guerrilheiro da Frelimo a atravessar a fronteira psicológica que constituía o Rio Zambeze.
Mas voltando ao Dondo e ao CIGE e à estaca zero, é importante referir que uma grande parte dos recrutas não falava português, havendo uma grande percentagem que falava inglês, porque trabalharam alguns anos na ex-Rodésia, hoje Zimbábué e que fugiram das guerras que se travavam junto à fronteira, das ZANU do Robert Mugabe contra o regime de Ian Smith e da Frelimo, contra o regime colonial português. Como não conhecia uma única palavra do dialecto local, que era comum a todos, comecei a dar a instrução nas duas línguas, português e inglês o que veio a permitir que, para o fim da instrução, já todos falassem e compreendessem, dentro do necessário, o português. Tive uma grande ajuda de um recruta, o Vasco, o mais culto de todos, que tinha andado a estudar em Vila Gouveia e, à noite, passava uma grande parte do tempo a ensinar a língua portuguesa aos seus companheiros do Grupo.
A instrução incidia em três vertentes: a física, a psicológica e a de combate.
Sobre a vertente física, pouco há dizer, porque eram pessoas bem dotadas fisicamente, pelo que os exercícios serviam mais para uma integração de grupo, coordenação de movimentos e de adaptação à arma, a fim de que ela se tornasse como uma extensão do próprio corpo.
A vertente psicológica, do meu ponto vista, era a mais importante. Baseei-me muito na informação que cada um possuía, quase todos os recrutas tinham passado por alguma experiência ou tinham conhecimento de acções do “terrorismo” praticadas pela Frelimo, sempre que abria uma nova frente de guerrilha e que consistiam em assassínios dos que não aderiam ao movimento, raptos, essencialmente de mulheres e de roubos de cabeças de gado. Estas acções provocavam o ódio aos “bandidos”, como lhes chamavam e, como cada um, prestava, perante o Grupo, o seu depoimento, este era assimilado por todos, como se dissesse respeito a cada um. Estava lançada a semente para a criação do espírito de grupo e trabalharmos todos estes elementos na parte psicológica, majorando, ainda mais, a necessidade do combate à Frelimo.
A par da vertente psicológica, era ministrada a instrução de combate que passava pela luta corpo a corpo, preparação de emboscadas, reacção a emboscadas, formas de progressão na mata, tiro ao alvo, utilização das granadas, tiro de morteiro, etc. Estes conhecimentos de combate introduzia no Grupo um sensação de segurança, cuja evolução de notava de dia para dia, aliada ao facto de que, ao possuírem uma arma, lhes aumentava a auto-estima e o sentimento de vingança.
 
GE´s - Moçambique "máquinas de guerra" (foto do JN de 15/02/1996)
Por estes motivos é que os GE´s eram considerados como “autênticas máquinas de guerra”, muito temidos pela Frelimo, porque estávamos a operar nos mesmos terrenos.
 
(continua…)
Ovar, 4 de Setembro de 2009    
 Álvaro Teixeira (GE)

 


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Quinta-feira, 13 de Agosto de 2009

A MINHA VIDA DE GE - Parte 4

Estado actual do "Novo CIGE"

 

Agora estou no novo CIGE, à saída do Dondo, na entrada da picada para Inhaminga. Um Centro de Instrução enorme, todo ele construído com chapas de zinco assentes em estruturas de ferro.
O primeiro dia foi passado em palestras orientadas pelos altos comandos, nomeadamente, com o já falecido coronel Costa Campos. Fomos informados da nossa missão e dos princípios por que se norteavam os Grupos Especiais (GE’s). Comecei, então, a tomar consciência da responsabilidade que implicava a formação de um Grupo Especial, quais os objectivos da “Operação Furacão” e de todas as condicionantes que implicavam a formação dos novos militares. A missão não iria ser fácil, mas, psicologicamente, preparei-me para ela.
No dia seguinte, todos os graduados iniciaram os exercícios físicos baseados nos métodos da preparação dos “Comandos”: um estrado com cerca de um metro de altura, onde, um graduado, previamente escolhido, ia coordenar um exercício físico até à exaustão. Acabado este, um novo graduado subia para o estrado e coordenava outro exercício. Também fiz a minha parte na coordenação de um exercício e, apesar do meu aspecto franzino, consegui uma “performance” que nunca imaginei estar ao meu alcance.
Passados alguns dias começaram a chegar os primeiros recrutas. Já estava formada a equipa de triagem coordenada pelo capitão Mendonça e para a qual eu fui destacado, ficando com a responsabilidade dos recrutas da zona de Vila Gouveia (Catandica) e de os instalar no respectivo Pavilhão. Viriam a constituir o GE 913 e o GE 914, o primeiro com destino a Camberembera e o segundo, ao Fúdze. Comecei, de imediato, a impor as regras básicas da disciplina militar, o que não se tornou difícil, conforme irei explicar em Posts posteriores. O meu maior problema residiu na quantidade, porque cheguei a ter mais de 250 homens, o equivalente a quase 2 companhias da tropa normal.
 
 Uma imagem do Campo de Instrução (Exercícios Físicos), com o autor do Blog em 1º. plano.
Há, no entanto, um episódio caricato, que não posso deixar de relatar. Após poucos dias e pouco antes de se terminar a triagem, fui chamado pelo capitão Mendonça para instalar mais alguns recrutas, cerca de 15. Eram uns indivíduos que usavam vestes brancas, o cabelo rapado e uma pequena barbicha. Nunca tinha visto nada de semelhante, mas alojei-os no Pavilhão respectivo. Entretanto, já tinha começado com a preparação física dos que já estavam integrados e estes últimos entraram, também, no Grupo. Os dias foram passando com exercícios físicos, instrução militar de recruta própria dos GE´s (a forma de marchar, que era acompanhada de cânticos próprios, e outros movimentos eram muito diferentes dos da tropa normal). Tudo correu bem até à entrega dos fardamentos e das armas. No dia seguinte a esta entrega, houve a formatura habitual em frente ao Pavilhão, para o pequeno-almoço e já todos fardados. É então que reparo que, na formatura, faltavam os recrutas de cabeça rapadas. Entrei no Pavilhão, estava vazio e reparo que, em cima da cama de cada um deles, estava o fardamento e a arma. Tinham fugido durante a noite. Procurei indagar o que se tinha passado e cheguei à conclusão de que eles praticam uma religião pacifista o que vim a comprovar, mais tarde, no teatro de operações. Eles deslocavam-se pela Serra Choa, com as suas vestes brancas, como se nada se passasse, não eram atacados por ninguém e eram conhecidos como “Apóstolos”.
Fui dar conta da situação ao capitão Mendonça e tudo ficou resolvido.
Já com tudo estabilizado e, depois daquele tempo de preparação física dos graduados, começamos a instrução militar, propriamente dita.
(Continua …)
Ovar, 13 de Agosto de 2009
Álvaro Teixeira (GE)

 


Publicado por gruposespeciais às 16:28
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Quinta-feira, 26 de Março de 2009

Grupos Especiais ( GE´s) - Moçambique

Caros Amigos,

Criei este Blog no intuito de dar conhecimento das minhas opiniões relativamente à minha participação na Guerra Colonial, quer na Tropa Normal, quer como Combatente integrado nos Grupos Especiais (GE´s), em Moçambique, no período de Outubro de 1972 a Maio de 1974.

Tive conhecimento, há poucos dias, de que tem havido alguns encontros de ex-GE´s, mas, por desconhecimento, ainda não participei em nenhum.

Vou colocar um post com um pequeno resumo da minha vida militar, mas, antes disso, quero revelar os m/ contactos:

 

Álvaro Teixeira de Oliveira

tel: 256597260

tlm: 960491057

 

 Este Blog está aberto à participação de todos os que, independentemente das suas convicções políticas ou religiosas, residentes em em Portugal ou no estrangeiro, tenham vivido a experiência da Guerra Colonial, em Moçambique a partir de 1972 e no período pós 25 de Abril de 1974.

Os testemunhos recolhidos e outro material, como fotografias, irão ser tratados tendo em vista a publicação de um livro, quando a quantidade e a análise dos testemunhos assim o justificar.

Não haverá qualquer tipo de censura e os artigos e fotos de interesse referirão, sempre, os seus autores.

 

Para enviar os documentos, poderão utilizar os seguintes endereços:

 

a.teixeira.o@sapo.pt

alvarotoliveira@gmail.com

 

Vamos trabalhar juntos.

Obrigado

 

 

 

 

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