Sábado, 26 de Setembro de 2009
Guebuza encontrava-se naquele Centro de Bagamoyo havia uma semana. Tinha vindo de Moçambique com os seus conterrâneos José Mazuze, Pascoal Nhapule, Francisco Langa, Josina Mutemba (namorada de Filipe Samuel Magaia). Também era frequente a presença de Filipe Samuel Magaia naquele Centro, onde vinha para nos politizar.
Quanto a Filipe Samuel Magaia (1º Comandante de todas as forças da DSD da FRELIMO), foi vítima de uma emboscada por parte das próprias forças, para deixar Josina viúva, para mais tarde desposar Samora Machel e para o mesmo tomar o lugar do mesmo Filipe Magaia. O comandante de todas as forças da FRELIMO, estava por conseguinte em Kongwa e Filipe Samuel Magaia por ocupar uma posição hierarquicamente superior encontrava-se em Dar-es-Saalam, onde encontrava-se sediada a FRELIMO. Apesar deste distanciamento e tempo como militar da FRELIMO nunca vi estes dois elementos juntos, o que antevia uma certa animosidade entre eles, talvez sublimado pelo facto de um ser da Zambézia (Magaia) e outro de Gaza (Samora).
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Samora saía poucas vezes de Kongwa e talvez por esse motivo teve facilidade em manipular os quadros militares até à morte de Magaia, altura em que lhe ficou com a namorada assim como com o Departamento de Defesa, entregando o da Segurança ao amigo Joaquim Chissano, tudo com o consentimento do Dr. Mondlane.
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De referir também que quase todos os quadros da FRELIMO sabiam que tinha sido Samora Machel, Alberto Chipande, Joaquim Chissano e Sebastião Marcos Mabote que planearam a morte de Filipe Magaia com o consentimento do próprio Eduardo Mondlane.
Alguns quadros da FRELIMO que testemunharam a morte de Filipe Magaia foram fuzilados em Cabo Delgado. Um deles chamava-se Lino Ibraimo e o seu executor foi João Fascitela Pelembe. Por sua vez Luís Arrancatudo, que tinha sido instrutor em Bagamoyo, foi fuzilado na Base de Catur, no Niassa, por ordens de Sebastião Mabote e de José Moiane.
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Os chamados Destacamentos Femininos eram vítimas de abusos sexuais, feitos na sua maioria pelos chefes. As raparigas grávidas eram obrigadas a ter depois relações sexuais com simples soldados, para posteriormente estes serem acusados de mau comportamento e serem severamente punidos com castigos exemplares. As mulheres grávidas eram enviadas para o Campo de Tunduro, onde Francisco Manhanga era Comandante, coadjuvado por Bonifácio Gruveta. De referir ainda que em muitos casos as mulheres que engravidavam eram obrigadas também a abortar por métodos criminosos e os seus fetos deitados no caixote de lixo, com o conhecimento das autoridades tanzanianas que nunca tomaram medidas para impedir tais actos, pois diziam que esse era um assunto moçambicano.
O Campo de Tunduro, servia também como local de descanso para os chefes da FRELIMO. Ali levavam uma vida de burguesia, tinham tudo à disposição, incluindo as raparigas e as mulheres mais bonitas da Organização. Muito dinheiro que a Organização possuía era gasto nestas libertinagens.
Excertos do livro a publicar brevemente
(Declarações de testemunha insuspeita)
Ovar, 26 de Setembro de 2009
Álvaro Teixeira (GE)
Quinta-feira, 24 de Setembro de 2009
(… Continuação)
E, assim, chegamos ao fim da instrução dos Grupos Especiais. Todos os dias partiam vários Grupos para os respectivos Teatros de Guerra, até que chegou a vez de o meu Grupo partir para o Fúdze. Não fazia a mínima ideia onde era isso. A única informação que possuía é que era para norte de Vila Gouveia (Catandica), na entrada da picada para a Macossa. Subimos para as Berliets e iniciamos a saída. Para trás começaram a ficar as noitadas e os fins-de-semana na belíssima cidade da Beira e o Dondo, uma pequena vila de que aprendi a gostar e o meu restaurante preferido, o Garrafão. Para trás ficou, também, a minha “pretinha” que foi, propositadamente ao CIGE, para se despedir de mim. Choramos os dois, uma cena que perdurará, para sempre na minha vida. No dia anterior já me tinha despedido da May Lung, a minha “chinoquinha” da Beira, uma miúda adorável e cuja paixão era mútua, mas este aspecto ficará para artigos posteriores.
A minha primeira farda de GE
Começamos a passar os canaviais da Açucareira de Mafambisse e recordei-me do que, uns meses antes, lá se tinha passado. Na véspera de um fim-de-semana, haviam procedido a uma desratização dos canaviais. Era habitual os recrutas, durante os dias de descanso, irem dar uma volta pelos canaviais para caçar ratos que, segundo eles, era um petisco, mas nesse fim-de-semana, os ratos tinham sido envenenados e o resultado foi trágico: várias mortes de recrutas, por envenenamento e outros que, por assistência imediata ou por intoxicação menor, conseguiram escapar. Do meu GE não morreu ninguém, porque, por felicidade, estavam de serviço nesse fatídico fim-de-semana.
Deixamos para trás Vila Machado e fizemos uma paragem, para descanso, em Vila Pery (Chimoio).
No dia seguinte, de manhã cedo, partimos para a segunda e última etapa, passamos o Vandúzi, atravessamos a ponte sobre o Púnguè e, a partir daí, foi começar a subir para Vila Gouveia (Catandica), onde voltamos a fazer uma pequena paragem, só para reabastecimento e logo de seguida, encetamos o percurso de cerca de 30 quilómetros até ao Fúdze.
Num momento de descontracção
Lá chegados, foi uma decepção. O Aquartelamento era, quase todo ele, constituído por tendas de lona e foram montadas outras para o GE.
Eu instalei-me numa cantina abandonada, com um cheiro nauseabundo, onde só se conseguia dormir com rede mosquiteira e com as janelas todas abertas.
Foi o início da minha “Descida ao Inferno”…
Ovar, 24 de Setembro de 2009
Álvaro Teixeira (GE)
Sexta-feira, 4 de Setembro de 2009
(… Continuação)
Começamos a instrução dos militares, praticamente, a partir do zero o que, de certo modo, facilitou o nosso trabalho, pelo menos na parte que me disse respeito. Os novos recrutas vinham de aldeias distantes, dispersas pela Serra Choa, onde, poucos meses antes, a Frelimo tinha aberto um corredor de infiltração em direcção a Manica com todo o cortejo de desgraças que isso provocou nas populações que não aderiram ao Movimento de Libertação, obrigando-as a refugiarem-se em povoações mais próximas da estrada que liga o Vandúzi a Tete e que seriam alojadas nos aldeamentos de Nhassacara, Fúdze, Nhampassa e outros que foram sendo construídos ao longo da referida estrutura rodoviária e por onde passava todo o material necessário à construção da Barragem de Cahora Bassa com a consequente segurança, não só do ponto de vista psicológico, como militar, que todo este movimento dava às referidas populações.
O cortejo de desgraças a que acima me refiro e que irei descrever em artigos seguintes, além de me terem sido relatados pela próprias populações, verifiquei-os no próprio terreno e foram-me confirmados, há bem pouco tempo, pelo ex-Comandante da Frelimo, cujo nome, para já, não estou autorizado a divulgar e que foi o responsável pela instalação da Frelimo ao longo de toda a zona a sul de Tete, incluindo a Serra Choa. Os Moçambicanos desse tempo conhecem-no muito bem e os altos responsáveis da Frelimo sabem de quem estou a falar, porque lhe coube a glória de ser o primeiro guerrilheiro da Frelimo a atravessar a fronteira psicológica que constituía o Rio Zambeze.
Mas voltando ao Dondo e ao CIGE e à estaca zero, é importante referir que uma grande parte dos recrutas não falava português, havendo uma grande percentagem que falava inglês, porque trabalharam alguns anos na ex-Rodésia, hoje Zimbábué e que fugiram das guerras que se travavam junto à fronteira, das ZANU do Robert Mugabe contra o regime de Ian Smith e da Frelimo, contra o regime colonial português. Como não conhecia uma única palavra do dialecto local, que era comum a todos, comecei a dar a instrução nas duas línguas, português e inglês o que veio a permitir que, para o fim da instrução, já todos falassem e compreendessem, dentro do necessário, o português. Tive uma grande ajuda de um recruta, o Vasco, o mais culto de todos, que tinha andado a estudar em Vila Gouveia e, à noite, passava uma grande parte do tempo a ensinar a língua portuguesa aos seus companheiros do Grupo.
A instrução incidia em três vertentes: a física, a psicológica e a de combate.
Sobre a vertente física, pouco há dizer, porque eram pessoas bem dotadas fisicamente, pelo que os exercícios serviam mais para uma integração de grupo, coordenação de movimentos e de adaptação à arma, a fim de que ela se tornasse como uma extensão do próprio corpo.
A vertente psicológica, do meu ponto vista, era a mais importante. Baseei-me muito na informação que cada um possuía, quase todos os recrutas tinham passado por alguma experiência ou tinham conhecimento de acções do “terrorismo” praticadas pela Frelimo, sempre que abria uma nova frente de guerrilha e que consistiam em assassínios dos que não aderiam ao movimento, raptos, essencialmente de mulheres e de roubos de cabeças de gado. Estas acções provocavam o ódio aos “bandidos”, como lhes chamavam e, como cada um, prestava, perante o Grupo, o seu depoimento, este era assimilado por todos, como se dissesse respeito a cada um. Estava lançada a semente para a criação do espírito de grupo e trabalharmos todos estes elementos na parte psicológica, majorando, ainda mais, a necessidade do combate à Frelimo.
A par da vertente psicológica, era ministrada a instrução de combate que passava pela luta corpo a corpo, preparação de emboscadas, reacção a emboscadas, formas de progressão na mata, tiro ao alvo, utilização das granadas, tiro de morteiro, etc. Estes conhecimentos de combate introduzia no Grupo um sensação de segurança, cuja evolução de notava de dia para dia, aliada ao facto de que, ao possuírem uma arma, lhes aumentava a auto-estima e o sentimento de vingança.
GE´s - Moçambique "máquinas de guerra" (foto do JN de 15/02/1996)
Por estes motivos é que os GE´s eram considerados como “autênticas máquinas de guerra”, muito temidos pela Frelimo, porque estávamos a operar nos mesmos terrenos.
(continua…)
Ovar, 4 de Setembro de 2009
Álvaro Teixeira (GE)