
(…Continuação)
Em meados de Novembro de 1972, fui nomeado para comandar uma coluna de abastecimento a Olivença e que seria composta por 22 viaturas. Estava há mês no mato e a minha experiência era, praticamente, nula, mas não me intimidei. Só a perspectiva de estar 2 ou 3 semanas em Vila Cabral afugentava todos medos que pudesse ter.
E lá fui, mais uma vez, no avião do Subtil, directo a Vila Cabral. Passamos ao lado de Nova Coimbra e do Lunho, tendo, como fundo, o belíssimo Lago Niassa e cheguei a Vila Cabral e apresentei-me na sede B. Caç. 20. Recebi as instruções para a organização da coluna e instalei-me na Pensão Niassa.
Foram 3 semanas maravilhosas que passei em Vila Cabral, com os meus amigos de Ovar. As minhas refeições eram na Messe de Sargentos, mas, quando tinha companhia, ia ao Miralago, ao Planalto ou ao Pinheiro, que tinha um “Coelho à Cafreal” delicioso.

Um dia, ao almoço, acabei por conhecer uma lenda viva do Niassa, o, na altura 1º. Sargento, Biguane que estava no GE 102, em Nova Coimbra. Contou-me algumas histórias da sua vida militar e fiquei muito bem impressionado com ele. Tinha uma personalidade muito vincada e muito forte.
E os dias iam passando, com a preparação da coluna, que tinha como rota, a picada de Vila Cabral, Unango até Macaloge. A partir desta localidade, teríamos que ir a corta mato, porque já não havia mais picada. Esta era a fase difícil devido aos vários cursos de água a atravessar e eram zonas de bases avançadas da Frelimo, aquilo a que eles chamavam “áreas Libertadas”, mas a minha preocupação não era muita, porque, de acordo com o Chefe de Operações do Batalhão, a Frelimo evitava o contacto directo e único perigo que podíamos correr seria o do rebentamento de alguma mina na picada até Macaloge.
Para os militares que estiveram no Niassa, nessa época, por certo, deverão recordar-se do Chefe do Estado Maior, o tenente-coronel Picioci. Este indivíduo era uma pessoa intratável que obrigava todos os militares fardados a fazerem-lhe “continência”, mesmo que andasse de carro. E um dia, vinha eu de casa do proprietário da Foto Niassa, fardado e, em sentido contrário, vinha um Volkswagen preto, que parou uns metros logo atrás de mim. Lembrei-me que poderia ser o Picioci e desatei a correr por um terreno baldio e só parei na entrada do Cinema ABC. Safei-me de um raspanete de um indivíduo que era um terror para os militares, conforme contarei, adiante.
Ao fim de quase 3 semanas fui informado que a coluna já não podia seguir para Olivença, porque a época das chuvas tinha começado mais cedo, os caudais dos cursos de água tinham aumentado muito e, 2 ou 3 dias depois, regressei a Olivença, no avião do Subtil.

Bem, foi um voo de sustos. O tempo estava muito encoberto e o Subtil orientava-se, nos voos, pelo terreno e pelo relógio, mas como só se viam nuvens, orientação pelo terreno estava fora de questão. A uma determinada altura, apanhámos uma zona sem nuvens, olhei para o solo e vi algo que me pareciam armazéns, achei estranho e diz-me o Subtil: “estamos na Tanzânia, sobre a base de Mitomoni”. Escusado será dizer que o susto foi imenso, porque era a base de abastecimento da Frelimo para quase todo o Niassa. O Subtil voltou a meter-se nas nuvens e o perigo estava passado, porque, entretanto, ele tinha descoberto a pista de Olivença.
Com o cancelamento da coluna, passamos a ser reabastecidos pelo “Dakota”, o que, nem sempre era possível, devido ao mau estado da pista e, desta forma, começou-nos a faltar muito coisa para o nosso dia-a-dia, como tabaco, cerveja, batatas, carne, etc.
Quando nos começou a faltar a cerveja, o Comandante da Companhia mandou uma mensagem para Vila Cabral a pedir o fornecimento e a resposta do Picioci não se fez esperar: “eles que bebam água do Lipirichi que, até, nem isso merecem.” Eram indivíduos deste género que desmoralizavam toda a gente.
Começamos a passar muitas privações, comíamos carne liofilizada, quem a conseguia comer, e dobrada desidratada, para enganar o estômago. Cheguei a pedir ao capitão “ração de combate”, porque não conseguia comer nada daquilo. O tabaco começou acabar e, para matar o vício, lá ia, de vez em quando, um “charro de suruma” que arranjava no aldeamento.
No seguimento dos acontecimentos do Natal de 1972, foi mandado instaurar pelo Comando do Batalhão um “Auto de Corpo Delito”, tendo sido nomeado instrutor do processo o Comandante da Companhia que, por sua vez, delegou em mim todo o processo de averiguações. Como havia muita gente para ouvir e o prazo estabelecido, para a conclusão do processo, era curto deixei de integrar algumas operações e passava o tempo na secretaria a ouvir os inquiridos. Nunca mais esqueci o texto com que iniciava a inquirição, que, numa parte era o seguinte: “Jurou por Deus ou por sua Honra (conforme a opção do inquirido) dizer toda a verdade e só a verdade e aos costumes disse nada. Interrogado sobre a matéria dos autos, disse: …”.
No fim da terceira semana de Abril de 1973, na sequência de uma visita do Sub-Secretário de Estado do Exército, general Alberty Correia, fui escalonado para os GE’s, por ser o furriel mais novo da Companhia (pelo menos, foi essa a justificação que me deram).
Deixei o processo de averiguações com mais de 200 folhas de papel azul de 25 linhas e embarquei para a Beira.
Este é último “post” sobre a minha vida, em Olivença. O “post” seguinte será uma conclusão da minha visão da Guerra Colonial na zona de Olivença.
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