"...Os Homens só morrem quando a Pátria se esquece deles.."
(…continuação)
Monumento aos Mortos na Guerra Colonial - Lisboa
Como é do conhecimento geral, o Movimento do Capitães inicia-se como uma reacção corporativa a directivas do regime e veio, mais tarde, a introduzir a componente política, devido à derrota eminente das nossas Forças Armadas na Guiné-Bissau. A solução política, para o desfecho da Guerra Colonial, começou a ganhar força e há informações, que eu não posso confirmar, que o governo de Marcelo Caetano se preparava para reconhecer, forçado pelos generais António de Spínola e Costa Gomes, o direito da Guiné à autodeterminação e independência, de modo a evitar uma derrota militar, com todas as consequências que isso provocaria nas outras colónias, Angola e Moçambique.
Torna-se claro que esta tomada de posição obedecia a um projecto militar que consistia no reforço das Forças Armadas em Moçambique, onde a situação militar estava no limiar do ponto crítico, com os ataques da Frelimo no corredor da Beira/Manica.
A situação em Angola estava controlada, com a FNLA e o MPLA retirados para o Zaire e com a Unita a pautar as suas acções no sudoeste de Angola. Há que realçar que, nesta ex-colónia, a luta armada já há, bastante tempo, era mais uma luta fratricida entre os três Movimentos do que, propriamente, contra o Exército Colonial Português.
Depois deste meu exercício de memória, feito um pouco por alto neste “post”, uma vez que a situação de Moçambique irei abordá-la mais em pormenor, quando passar a descrever a minha actuação como GE, há que ter em consideração os seguintes aspectos de uma Guerra, pela qual era obrigatório passar, mas que, quase ninguém (os nossos militares) achava como sua:
A – Nunca, na nossa instrução militar, foi incutida a ideia de ir para África matar “pretinhos” indefesos;
B – Pelo contrário, foi-nos incutido um espírito de protecção às populações e qualquer desmando conhecido era severamente punido;
O autor do Blog com um órfão de guerra - Niassa (Moçambique)
C – Muitos dos nossos militares prestaram serviço às populações, nomeadamente, no que diz respeito aos cuidados de saúde, à preparação de terrenos para aproveitamento agrícola, as chamadas “machambas”, na abertura de vias de comunicação, no ensino, na construção de habitações, no fornecimento de energia eléctrica, etc.;
D – O respeito pelos usos e costumes das diferentes etnias, além de ser uma constante, era, também, um ponto de convergência e de partilha. Era habitual a participação dos nossos militares nas festas organizadas pela comunidade local e existia reciprocidade, nomeadamente, na festa de Natal em que participava toda a gente;
E – É evidente que aconteceram coisas desagradáveis, o caso de Wiriamu é o mais conhecido e é, de facto, um crime de guerra, mas que não passaram de acções individuais de pessoas tresloucadas, porque nunca houve qualquer ordem de limpeza étnica e estou convicto de que, por mera hipótese, se uma qualquer ordem dessas fosse emanada, certamente que não seria cumprida.
Não é minha pretensão fazer qualquer branqueamento da Guerra Colonial, que, do meu ponto de vista, nunca deveria ter existido, mas a verdade é que ela existiu e que constitui um período muito negro da nossa História, devido à falta de visão, para não utilizar outros termos, dos nossos “pacóvios” governantes.
Por outro lado, nunca tivemos acesso a uma informação neutra, mas sim a informação contraditória das partes interessadas: A Rádio Moscovo e a Rádio Argel, por um lado e a, então, Emissora Nacional com o seu programa “A Rádio Moscovo não fala verdade” e as crónicas do jornalista Ferreira da Costa, sobre a situação em Angola.
Acabada a Guerra Colonial, o assunto passou a ser tabu e, infelizmente, não tivemos um Oliver Stone, para descrever aos portugueses a realidade cruel deste passado recente. A bibliografia existente quase não passa de testemunho pessoais, pelo que a sua integração no contexto histórico, torna-se difícil de apreender.
As duas séries produzidas pelo jornalista Joaquim Furtado para a RTP1, têm o valor que têm, mas não passam de testemunhos pessoais, quase sempre das mesmas pessoas, e que não passam de uma tentativa de comer o interior do melão sem lhe tirar a casca.
E será, do meu ponto de vista, por estes motivos que ainda existe uma grande clivagem entre os Partidos de Direita e os de Esquerda sobre esta temática e, além disso, uma grande parte da sociedade considerar que uma homenagem aos Mortos da Guerra Colonial ou às confraternizações de ex-combatentes são demonstrações de um espírito saudosista ou revanchista. Isto não corresponde, minimamente, à realidade. Há ex-combatentes em todos os quadrantes partidários, da extrema-direita à extrema-esquerda, mas há uma realidade inequívoca e que é a de que os partidos de esquerda, ao não conseguirem lidar com esta situação, a mesma tem sido aproveitada pelos partidos de direita.
Acho que é tempo de acabar com estas clivagens, a fim de que os nossos mortos possam descansar em paz e que os vários milhares de ex-combatentes, cujas vidas foram desfeitas pelos traumas de uma guerra injustificável, tenham direito a uma vida digna e sejam integrados numa sociedade que os rejeitou.
Ovar, 7 de Julho de 2009
Álvaro Teixeira (GE)