Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
As lutas independentistas e os Não-Alinhados estão sendo desmascarados a cada dia que passa.
O “barco está no mar alto sem porto seguro à vista”.
Valeu a pena ter havido gloriosas e sacrificadas lutas pela Independência nos países de todo o mundo. Nem tudo foi em vão.
Valeu a pena ver gente com fibra e com coragem e princípios batendo-se com honradez pela Independência.
Valeu a pena sonhar por um hino e por uma bandeira.
Mas de tudo pelo que se teve que passar, hoje existem mais do que suficientes razões para questionar procedimentos e resultados.
Olhar para trás e chegar à conclusão de que muito do que nos diziam era um simulacro, uma cascata de “slogans” que não se concretizaram, é desolador.
Uma mão-cheia de combatentes que de armas se bateu contra o colonialismo e outras formas de dominação, especialmente em África, deixa muito a desejar, se tivermos que ser honestos na avaliação.
O mundo jamais foi linear, e a complexidade dos assuntos muitas vezes ultrapassa a capacidade dos protagonistas enxergarem e produzirem soluções pertinentes.
Olhar de frente para o que nos rodeia, nos é a dado a ver, e concluir que os nossos “libertadores” acabaram por defraudar as expectativas que existiam, é constrangedor. Afinal eles queriam o poder em si, e não para alterar as relações de poder ou trazer a propalada democracia política e económica. Prometeram ao povo que libertariam a terra e os homens. Isso, em parte, aconteceu.
Mas a realidade de hoje desmente sem dúvida de nenhum tipo que fomos enganados e da maneira mais copiosa.
Aquilo que de terra era considerado sagrado foi sendo sucessivamente vendido, alienado e entregue aos mesmos que ontem colonizavam.
O que nos diziam que seria uma nova era de desenvolvimento acabou tornando-se numa fábrica de sonhos, numa fábrica de assalariados pobres, miseráveis vivendo na indigência. Se antes era o colono português que insultava, hoje são os chineses, angolanos e brasileiros. Uma e outra vez, portugueses retornados ou que nunca haviam cá estado insultam num regresso típico de racismo. Até nas praias, sul-africanos tutelando estâncias turísticas barram a entrada dos nativos. É a realidade sem remendos nem pinturas de “analistas de fim-de-semana”.
Tanta mascarada, tanta falsificação, tanto sangue derramado em nome de ideologias que hoje vemos jamais terem existido.
Matou-se compatriotas em nome de uma suposta revolução, catalogou-se compatriotas de “lacaios do capitalismo”, e hoje quem o fazia estabelece “joint-ventures” com multinacionais a velocidade incrível. Num oceano de secretismo, temos em Moçambique pessoas retalhando o país conforme a sua hierarquia e apetites.
Moçambique, um país portentoso, bafejado pela natureza, com rios, montanhas, mar, terra fértil e um subsolo invejado pelos seus numerosos recursos minerais atravessa um momento particularmente complicado da sua história. Após uma Independência que parecia suave, somos dados a concluir que nos foi oferecido um presente envenenado por um Governo português que queria apressadamente largar um “fardo” já incómodo.
Muita coisa já foi dita e escrita sobre como se alcançou a Independência em Moçambique. Mas, como Mariano Matshinha disse, o Acordo de Lusaka assinado entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Governo português, em 1974, tinha protocolos secretos que continuam sendo secretos por algo que as partes assim acordaram.
Após uma guerra fratricida de 16 anos, chegou-se ao AGP de Roma, onde mais uma vez foram inscritos protocolos secretos que a generalidade dos moçambicanos continua sem conhecer.
Afinal a Independência e todas as batalhas pela democracia ainda não conseguiram produzir um país de todos os moçambicanos.
Temos um mercado grossista chamado Moçambique, em que os poderosos “partem e repartem entre si, e cada um fica com a melhor parte”.
É a isso que chamamos Moçambique.
Antes, a elite colonial desfilava nas “passerelles” e exibia o seu poder.
Hoje, são os filhos e herdeiros dos detentores do poder que fazem exactamente o mesmo. O que mudou? Nada.
Face ao recrudescimento de crises em vários países e no nosso Moçambique, esperava-se que os políticos tivessem discernimento e capacidade de olhar para as questões com aquele pragmatismo característico de protagonistas competentes. Mas, por incúria ou por interesses específicos, fica-se com a impressão de que existe uma agenda de adiamento de tudo o que possa alterar o “status”.
A olhos vistos, a cada dia que passa, os relatos de hostilidades e ataques repetem-se. Os únicos que devem estar “esfregando as mãos” são os que venderam as armas e quem cobrou comissão pela sua aquisição.
Na verdade, a situação piorou, pois antes não havia guerra pelos recursos, e hoje é isso que pontifica. Arranjam-se justificações constitucionalistas para algo que não passa de “guerra pelo gás e rubis”, guerra pelo ouro e pela madeira, guerra pelo camarão, guerra pelas turmalinas, guerra pelos diamantes, guerra pelo petróleo.
Para que os objectivos sejam alcançados e as agendas cumpridas, enfraquece- se e assalta-se o sistema judicial, transforma-se as forças militares e policiais em milícias de partido político, e o beligerante de ontem mantém as suas forças “residuais” num processo permitido com objectivos concretos.
Jogos de inteligência e geoestratégicos fora do alcance do entendimento comum continuam determinando o rumo dos acontecimentos numa situação em que mesmo os pretendem que possuem tudo sob controlo revelam-se remotamente teleguiados.
Agentes toupeiras ou de outra estirpe, activos ou desactivados, não trouxeram o prometido.
De um programa até bem pensado, que visava a colaboração Sul-Sul, o que nos trouxeram foram novos colonos que confirmam que, afinal, de pouco valeram tantos sacrifícios para o “embarriguecimento” dos nossos “libertadores”. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 24.03.2016
Combatentes de Guerra do Ultramar
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