Domingo, 15 de Novembro de 2009

A MINHA VIDA DE GE – Parte 8 (o baptismo de fogo)

 

 

 

Depois de uns dias de uma certa acalmia passados no reconhecimento do terreno na mata da parte oeste da estrada que fazia a ligação com Tete e Cahora Bassa, em patrulhamentos diários nas imediações do acampamento, destruição de palhotas abandonadas, umas saídas à noite para a caça, ou, de madrugada, para apanhar galinhas do mato, sou chamado para a primeira operação:
Uma incursão na Serra Choa, a fim de tentar apanhar cerca de duas dúzias de cabeças de gado bovino que tinham sido roubadas, por guerrilheiros da FRELIMO, de um aldeamento sobranceiro a Vila Gouveia (Catandica), do qual não recordo o nome, mas onde existia um destacamento comandado pelo alferes Camilo, um homem de farto bigode e que tomava café, como que bebia água. Fui transportado até Vila Gouveia, a fim de ser inteirado dos acontecimentos e do material de guerra utilizado pelo inimigo. O major de Operações informou-me que o inimigo só possuía canhangulos e que teriam sido em pequeno número e eu, como já tinha recebido algumas parcas informações, levei um único pelo pelotão do GE.
Parti confiante para o cimo da serra, onde passei a noite no referido destacamento. Na madrugada seguinte, cerca das 5 horas, preparamos tudo e, de acordo com as informações recebidas, iniciamos a nossa caminhada em direcção ao local onde, eventualmente, poderia estar o gado que havia sido roubado. Depois de cerca de 3 horas de caminhada deparámo-nos com um rio que, embora não sendo largo, era bastante profundo e com uma força decorrente bastante grande. Era a primeira dificuldade. A força da corrente era de tal modo forte que bastava um pequeno deslize, para se transformar num desastre fatal. A solução encontrada foi amarrarmos os cintos das calças uns aos outros e entrarmos, em pequenos grupos na água que nos dava pelo peito. Os primeiros militares que atravessaram o rio montaram a segurança na outra margem até passar todo o pelotão. Esta operação demorou cerca de uma hora. Logo ali, comecei a aperceber-me que as instruções recebidas não seriam correctas, porque não seria possível atravessar uma manda de gado naquela situação. Com todo o pelotão do outro lado do rio, paramos para descansar e tomar o pequeno-almoço. Aproveitei para fazer, pela rádio, o primeiro contacto e tentar confirmar as instruções que havia recebido. A informação recebida era a de que deveria continuar a prosseguir a operação, porque as coordenadas que indiquei eram as correctas. Reiniciamos a marcha e, cerca de duzentos metros à frente, um dos primeiros militares alertou-me que estávamos a ser vigiados, porque detectou vestígios de alguém que este algum tempo parado junto a uma árvore. Perante isto, tomei a decisão de avançarmos rapidamente para alcançar uma posição dominante no terreno, mas o imprevisível estava para acontecer. Avançamos em linha, com devido respeito pelas distâncias e, cerca de cem metros à frente, sofro uma emboscada, numa zona completamente imprevisível: capim bastante baixo, árvores finas e de pequeno porte e sem qualquer espécie de abrigo. Estou na zona de morte da emboscada. Disparei umas rajadas e atirei uma granada defensiva. O tiroteio acabou. Avancei para o local onde o inimigo montou a emboscada e qual não é o meu espanto, quando vejo a quantidade de cartuchos de armas automáticas utilizadas. Afinal, as armas não eram canhangulos, de acordo com as informações que tinha recebido, mas de armas automáticas (Kalashnicovs). Decidi não prosseguir com a operação e subir para um ponto alto do terreno e aí, entro em contacto com o centro de operações, dando-lhe conta do sucedido e da minha indignação e revolta pela situação a que fui conduzido. A indicação recebida foi a de abortar a operação, regressar ao destacamento e foi o que aconteceu. No dia seguinte fui recebido pelo major do Batalhão responsável pelas operações e descarreguei em cima dele toda a minha raiva, Ele calou-se e, passados uns momentos, começou a pedir desculpa pela embrulhada em que me tinha metido, mas que as informações que tina eram aquelas e que lhe tinham sido transmitidas pela DGS (Pide). A situação acalmou, mas deixei-lhe um aviso: “que tivesse muito cuidado, porque não haveria uma segunda vez”.
Regressei ao Fúdze com a consciência de que estava rodeado por um formigueiro imenso e que a Serra Choa iria ser um bico-de-obra, conforme referirei em artigos posteriores.
 
Ovar, 15 de Novembro de 2009
Álvaro Teixeira (GE)   

Publicado por gruposespeciais às 17:18
LINK DO POST | COMENTAR O POST | VER COMENTÁRIOS (3)


ver perfil

. 2 seguidores

ARTIGOS RECENTES

A MINHA VIDA DE GE – Part...

ARQUIVOS

Abril 2016

Março 2016

Outubro 2014

Agosto 2014

Maio 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Junho 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Junho 2012

Abril 2012

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

MAIS COMENTADOS

ÚLT. COMENTÁRIOS

Afinal Samora e os amigos foram traiçoeiros ,assim...
Caro amigo, se quiser partilhar a sua experiência,...
Sou um velho GE. Período 71/73.Comandei o GE 212 N...
Gostei de ouvir a messenge sobre os nossos heróis ...
EmFalta dizer que nesss fata te ofereceste para se...

tags

todas as tags

OUTROS BLOGS E MUITO MAIS

subscrever feeds

Em destaque no SAPO Blogs
pub