Quinta-feira, 13 de Agosto de 2009
Estado actual do "Novo CIGE"
Agora estou no novo CIGE, à saída do Dondo, na entrada da picada para Inhaminga. Um Centro de Instrução enorme, todo ele construído com chapas de zinco assentes em estruturas de ferro.
O primeiro dia foi passado em palestras orientadas pelos altos comandos, nomeadamente, com o já falecido coronel Costa Campos. Fomos informados da nossa missão e dos princípios por que se norteavam os Grupos Especiais (GE’s). Comecei, então, a tomar consciência da responsabilidade que implicava a formação de um Grupo Especial, quais os objectivos da “Operação Furacão” e de todas as condicionantes que implicavam a formação dos novos militares. A missão não iria ser fácil, mas, psicologicamente, preparei-me para ela.
No dia seguinte, todos os graduados iniciaram os exercícios físicos baseados nos métodos da preparação dos “Comandos”: um estrado com cerca de um metro de altura, onde, um graduado, previamente escolhido, ia coordenar um exercício físico até à exaustão. Acabado este, um novo graduado subia para o estrado e coordenava outro exercício. Também fiz a minha parte na coordenação de um exercício e, apesar do meu aspecto franzino, consegui uma “performance” que nunca imaginei estar ao meu alcance.
Passados alguns dias começaram a chegar os primeiros recrutas. Já estava formada a equipa de triagem coordenada pelo capitão Mendonça e para a qual eu fui destacado, ficando com a responsabilidade dos recrutas da zona de Vila Gouveia (Catandica) e de os instalar no respectivo Pavilhão. Viriam a constituir o GE 913 e o GE 914, o primeiro com destino a Camberembera e o segundo, ao Fúdze. Comecei, de imediato, a impor as regras básicas da disciplina militar, o que não se tornou difícil, conforme irei explicar em Posts posteriores. O meu maior problema residiu na quantidade, porque cheguei a ter mais de 250 homens, o equivalente a quase 2 companhias da tropa normal.
Uma imagem do Campo de Instrução (Exercícios Físicos), com o autor do Blog em 1º. plano.
Há, no entanto, um episódio caricato, que não posso deixar de relatar. Após poucos dias e pouco antes de se terminar a triagem, fui chamado pelo capitão Mendonça para instalar mais alguns recrutas, cerca de 15. Eram uns indivíduos que usavam vestes brancas, o cabelo rapado e uma pequena barbicha. Nunca tinha visto nada de semelhante, mas alojei-os no Pavilhão respectivo. Entretanto, já tinha começado com a preparação física dos que já estavam integrados e estes últimos entraram, também, no Grupo. Os dias foram passando com exercícios físicos, instrução militar de recruta própria dos GE´s (a forma de marchar, que era acompanhada de cânticos próprios, e outros movimentos eram muito diferentes dos da tropa normal). Tudo correu bem até à entrega dos fardamentos e das armas. No dia seguinte a esta entrega, houve a formatura habitual em frente ao Pavilhão, para o pequeno-almoço e já todos fardados. É então que reparo que, na formatura, faltavam os recrutas de cabeça rapadas. Entrei no Pavilhão, estava vazio e reparo que, em cima da cama de cada um deles, estava o fardamento e a arma. Tinham fugido durante a noite. Procurei indagar o que se tinha passado e cheguei à conclusão de que eles praticam uma religião pacifista o que vim a comprovar, mais tarde, no teatro de operações. Eles deslocavam-se pela Serra Choa, com as suas vestes brancas, como se nada se passasse, não eram atacados por ninguém e eram conhecidos como “Apóstolos”.
Fui dar conta da situação ao capitão Mendonça e tudo ficou resolvido.
Já com tudo estabilizado e, depois daquele tempo de preparação física dos graduados, começamos a instrução militar, propriamente dita.
(Continua …)
Ovar, 13 de Agosto de 2009
Álvaro Teixeira (GE)
Terça-feira, 14 de Julho de 2009
(...Continuação)
Depois de me ter instalado na Beira, apresentei-me, no dia seguinte, no Centro de Instrução de Grupos Especiais – CIGE, no Dondo, uma pequena vila, situada a cerca de 30 Kms. da Beira, servida pela estrada Beira - Vila Pery (Chimoio), que apesar de pequena, tinha vida própria.
Monumento à entrada da Vila do Dondo
Aqui começou a minha integração nos GE’s. Um mundo diferente, novas mentalidades, novas formas de encarar a Guerra, enfim, um mundo à parte. Por todo o lado havia boinas amarelas e farda preta (uniforme dos GE’s) ou boinas roxas e camuflados (uniforme dos GEP’s), cuja existência eu desconhecia. O frenesim era enorme e aumentou com a chegada dos graduados destacados para a “Operação Furacão”, provenientes dos diversos distritos e aquartelamentos de Moçambique e muitos militares de alta-patente que iriam coordenar toda a operação.
Estabelecem-se as primeiras amizades e iniciam-se as conversas sobre o passado de cada um. Havia histórias para todos os gostos, desde as emboscadas em que caíram, às minas que rebentavam na passagem das colunas, aos ataques aos aquartelamentos, assaltos a bases da Frelimo, etc. Ouvi de tudo e dei graças por ter estado cerca de 6 meses em Olivença e nada dessas coisas eu tivesse que enfrentar. Foi no Dondo que eu comecei a despertar para outra realidade, bem mais cruel do que o isolamento de Olivença. Comecei a ouvir falar de mortos, de feridos e do horror da guerra e comecei a compreender o comportamento estranho de alguns militares. Apercebi-me, então, de que, após a formação do GE, iria ser confrontado com uma realidade que me parecia virtual. Ia mesmo para a guerra, ia passar pelas mesmas situações, mas com uma grande diferença, é que os militares que iríamos formar, durante 6 meses, eram nativos das zonas onde o GE iria actuar no teatro de operações. Este tempo de instrução era crucial e todos tínhamos a consciência disso, pelo que todos nos empenhamos em dar o melhor que sabíamos para tornar os GE’s nas autênticas “Máquinas de Guerra” , conforme foram apodados, e que a Frelimo tanto temia.
Dondo - Rua da Vila Lusalite
Na minha opinião, é pena que, com base na imensa documentação cinematográfica, em posse das nossas Forças Armadas, não tivesse aparecido um Oliver Stone português, para retratar esta realidade, muito parecida com a que se vê nos filmes sobre a guerra do Vietname. Estou a escrever e, ao mesmo tempo, a reviver todo aquele aparato militar na pequena vila do Dondo, que incluiu a construção de um novo CIGE, propositadamente, para esta operação militar que envolveu cerca de 4.000 militares.
Ovar, 14 de Julho de 2009
Álvaro Teixeira (GE)
Hermínio da Palma Inácio
Este “post” é um pouco mais curto, porque acabei de receber a notícia da morte de um grande amigo, Hermínio da Palma Inácio. Conheci-o, em Lisboa, em finais de Maio de 1974, no Café Nicola, no Rossio, quando estava acompanhado de um, também, grande amigo já falecido, Fernando Oneto. Conversávamos muito, quando tudo era uma grande confusão. Ele próprio me confidenciou, muitas vezes, que o receio que tinha era de que Portugal se tivesse libertado de uma ditadura, para cair noutra, tais eram as indefinições da Junta de Salvação Nacional e da influência dos grupos radicais. Palma Inácio era um democrata e, sempre, defendeu os grandes valores da Liberdade, da Justiça Social e da Fraternidade.
Aqui fica a minha singela, mas sentida, homenagem a um grande lutador. Descanse em paz.
O meu muito obrigado, meu Grande Amigo.
Para saber mais sobre a vida de Hermínio da Palma Inácio, clique no seguinte endereço:
http://www.barlavento.online.pt/index.php/noticia?id=14359
Quinta-feira, 26 de Março de 2009
Caros Amigos,
Criei este Blog no intuito de dar conhecimento das minhas opiniões relativamente à minha participação na Guerra Colonial, quer na Tropa Normal, quer como Combatente integrado nos Grupos Especiais (GE´s), em Moçambique, no período de Outubro de 1972 a Maio de 1974.
Tive conhecimento, há poucos dias, de que tem havido alguns encontros de ex-GE´s, mas, por desconhecimento, ainda não participei em nenhum.
Vou colocar um post com um pequeno resumo da minha vida militar, mas, antes disso, quero revelar os m/ contactos:
Álvaro Teixeira de Oliveira
tel: 256597260
tlm: 960491057
Este Blog está aberto à participação de todos os que, independentemente das suas convicções políticas ou religiosas, residentes em em Portugal ou no estrangeiro, tenham vivido a experiência da Guerra Colonial, em Moçambique a partir de 1972 e no período pós 25 de Abril de 1974.
Os testemunhos recolhidos e outro material, como fotografias, irão ser tratados tendo em vista a publicação de um livro, quando a quantidade e a análise dos testemunhos assim o justificar.
Não haverá qualquer tipo de censura e os artigos e fotos de interesse referirão, sempre, os seus autores.
Para enviar os documentos, poderão utilizar os seguintes endereços:
a.teixeira.o@sapo.pt
alvarotoliveira@gmail.com
Vamos trabalhar juntos.
Obrigado
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