Em Camberembera, no interior da picada para a Macosssa, estava estacionado o GE 913, comandado pelo Alferes Aveiro e pelos furriéis Belo e Viana Ferreira (este falecido há poucos anos, vítima de cancro). O reabastecimento deste Ge era feito através da Companhia estacionada no Fúdze, por viaturas, quando a picada estava transitável, ou a pé, na época das chuvas.
Num determinado dia de Dezembro de 1973, quando estávamos em plena época das chuvas, um pelotão do referido (o 913), comandado pelo furriel Belo, desloca-se ao Fúdze para se reabastecer de artigos de primeira necessidade. Num determinado ponto do percurso, depararam-se com aquilo, que, na época seca, nem chegava a ser um riacho, mas um pequeno sulco na picada, onde, por vezes, corria um fio de água. Nessa altura, nesse sulco corria muita água e a picada estava extremamente escorregadia. O furriel Belo não avaliou o perigo que corria ao tentar atravessar, sem quaisquer medidas de segurança e tentou meter-se à água. Foi alertado pelos seus soldados para o perigo que todos iriam correr, mas, mesmo assim, meteu-se a caminho. Escorregou e três soldados tentaram agarrá-lo. A tarefa foi impossível e todos os quatro foram arrastados pelas águas. A notícia chegou de imediato ao Fúdze e, com dois pelotões do meu GE, desloquei-me para o local do acidente, não para evitar o que quer que fosse, mas para, a partir daí, tentar encontrar os corpos naquela zona. Foram dois dias de angústia, porque, a não ser duas espingardas G3 e o Racal (rádio de transmissões), não encontramos qualquer corpo ou vestígios deles. Como o leito continuava a ser muito escorregadio, só nos restava seguir o percurso do mesmo, até encontrar algo.
A meio da tarde do segundo dia de pesquisas, deparámo-nos com algo inesperado e terrível. Aquela corrente de água ia desaguar numa lagoa, com uma dimensão de cerca de 5 a 6 mil metros quadrados e infestada de jacarés. Um quadro horrível e que não mais me saiu da memória. Sentei-me, por uns momentos e, dada a amizade recíproca, dei por mim a chorar a morte de amigo, porque era impossível era impossível chegar com vida àquele local e, mesmo que, por milagre, isso acontecesse, seria impossível escapar àquela imensidão de jacarés esfomeados e que passeavam pela água ou pelas margens da lagoa.
Para descarregar a consciência, voltei a percorrer o riacho, agora no sentido inverso, mas nada mais apareceu. Regressei ao Fúdze, onde cheguei já bem de noite, e informei o comandante da Companhia de todos os detalhes.
Fiz o relatório da operação e o furriel Belo e os seus três soldados foram dados como desaparecidos.
Uma história trágica de uma guerra sem sentido.
Ovar, 9 de Dezembro de 2009
Álvaro Teixeira (GE)