Quarta-feira, 10 de Março de 2010

A MINHA VIDA DE GE (parte 11) A vida no Inferno

 

(…/)
Avançamos no terreno, um pequeno planalto, até que encontramos um local, aparentemente seguro, para descansarmos. O local era constituído por algumas palhotas abandonadas e cercadas de vegetação pouco densa, o que constituía um óptimo local para descansar e montar a segurança. A floresta mais densa situava-se e mais de cem metros de distância. Do meu ponto de vista, era o local ideal para passar a noite. Marquei o meu local de dormida e, juntamente comigo, iria ficar o guia que nos havia sido entregue pela PIDE. À entrada da palhota que escolhi, coloquei o Vitorino com a sua HK21 e o Taculera, com o morteiro 60.
A palhota não era nada confortável, dava a quantidade de bicharada que a infestava. Foi uma noite de vigília, dado que não consegui pegar sono.
No dia seguinte, cerca das quatro e meia da madrugada, sem que nada o pudesse prever, surge um ataque da Frelimo e o local onde me encontrava era constantemente varrido por rajadas de metralhadora. Ao verificar que dentro da palhota nada poderia fazer, rastejei até à entrada, onde o Vitorino já disparava rajadas de metralhadora, mas o Taculera não conseguia manejar o morteiro, dado encontrar-se mais desabrigado. Pedi ao Taculera para me atirar o morteiro e as munições. Comecei então a disparar para o local de onde vinha o ataque. Os disparam começaram a amainar, até que se calaram.
Mandei, de imediato reunir o GE, a fim de deixar o local e avançarmos para a parte mais densa da floresta. Fiquei consciente de que a base se situava nas imediações, portanto, bastante perto.
Depois de todo o dispositivo preparado e, de acordo com as indicações do guia, começamos a avançar, já não em fila indiano, mas, em linha, a fim de conseguirmos abranger uma maior área de terreno. Com todas as precauções, avançamos, entramos na parte mais densa da floresta e parecia que nada nos incomodava, mas a concentração era total, com o GE dividido por três comandos, o da direita, comandado pelo Adão, o da esquerda, pelo Vasco e eu no meio, mas sem perder de vista quem quer que fosse. Continuamos a avançar, abrigados pelas árvores da floresta que, no início era bastante densa e permitia uma boa progressão, mas passadas umas boas dezenas de metros, tornava-se muito menos densa e com o capim muito rasteiro. O único avanço possível era a rastejar e abrigar-nos de árvore em árvore.
Passado pouco tempo, surge-nos uma barreira de fogo do inimigo, de tal modo forte que nos impediu a progressão. Já não havia capim e estávamos ali expostos ao fogo do inimigo. Seriam cerca das seis horas da manhã. A barreira de fogo era tão grande que dei ordens para disparar só com alvos à vista, para não gastar munições que, mais tarde, nos poderiam ser preciosas. Ali estivemos debaixo de fogo contínuo, que não deixava avançar um centímetro que fosse. E para estupefacção minha, a quantidade de fogo continuava a aumentar, com um potencial que nunca imaginei e que ameaçava cercar todo o Grupo.
Apercebi-me do perigo que a situação representava e, cerca das nove horas, pedi apoio aéreo para a situação e porque tinha a noção que estava mesmo em cima da base. A resposta foi de que deveria segurar a posição, porque o Comando de Operações, iria assegurar a logística. Lá continuamos no local, sem poder avançar fosse o que fosse, mas a minhas eram ordens eram rígidas e bem precisas, gastar o menos possível de munições e fiquei a aguardar o apoio aéreo solicitado, dado saber que, no aeroporto de Tete, estavam estacionados alguns aviões Fiat.
Dentro do possível, aguentei a posição, à espera de novidades.
Cerca da uma hora da tarde, recebo ordens para abortar a operação, porque não era possível o apoio aéreo. Foi pior a emenda do que o soneto. O Grupo estava, quase completamente cercado e uma retirada, naquelas condições, seria extremamente perigosa, por podermos ser alvo de perseguição por parte do inimigo que me parecia reunir guerrilheiros em número suficiente para o fazer. Era necessária a inteligência e o sangue frio. Pensei, por uns momentos, na forma de fazer a retirada sem perseguições. Resolvi, então, dar ordens de fogo intenso sobre o inimigo, enquanto, com dois operadores de morteiro, retirei para o local onde tinha estado acampado, não, sem, antes disso, ter dado ordens ao Adão e ao Vasco, para recuarem os respectivos pelotões, quando as granadas de morteiro começassem a explodir. Recuei algumas centenas de metros com os dois morteiros e uma HK21. Aí comecei a disparar os morteiros e o fogo do inimigo começou a diminuir e a afastar-se, foi então que começaram a aparecer no local onde eu estava os pelotões do Adão e do Vasco. Entretanto, com eles veio mais um morteiro e os disparos a aumentarem. Passado algum tempo, mandei disparar as metralhadoras HK21 e os tiros do inimigo começaram a acabar, até ao silêncio total.
Depois de todos reunidos, avançamos para uma encosta dominante, comemos a ração de combate e encetamos a regresso ao acampamento.
(/…)
 
Ovar, 10 de Março de 2010
Álvaro Teixeira (GE)

 


Publicado por gruposespeciais às 17:17
LINK DO POST | COMENTAR O POST | VER COMENTÁRIOS (1)


ver perfil

. 2 seguidores

ARTIGOS RECENTES

A MINHA VIDA DE GE (parte...

ARQUIVOS

Abril 2016

Março 2016

Outubro 2014

Agosto 2014

Maio 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Junho 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Junho 2012

Abril 2012

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

MAIS COMENTADOS

ÚLT. COMENTÁRIOS

Afinal Samora e os amigos foram traiçoeiros ,assim...
Caro amigo, se quiser partilhar a sua experiência,...
Sou um velho GE. Período 71/73.Comandei o GE 212 N...
Gostei de ouvir a messenge sobre os nossos heróis ...
EmFalta dizer que nesss fata te ofereceste para se...

tags

todas as tags

OUTROS BLOGS E MUITO MAIS

subscrever feeds

Em destaque no SAPO Blogs
pub